Leonardo Paiva Monte e Lilian Bento de Souza Silva

 EDUCAÇÃO FEMININA NA COREIA DO SUL: BREVE HISTÓRICO

 

Introdução

Neste trabalho procuramos fazer uma breve revisão sobre a história da educação para mulheres na Coreia do Sul. As mulheres coreanas enfrentam várias dimensões de desigualdade social, cultural e econômica. A igualdade de oportunidades educacionais e sociais para as mulheres em relação aos homens foi legalmente garantida somente na década de 1950. Além disso, a cultura tradicional costuma colocá-las em posições subordinadas e inferiores aos homens, sendo boas esposas para seus maridos e mães cuidadosas para seus filhos.

Para compreender as desigualdades de gênero na educação, é necessário examinar os contextos culturais e históricos do país. Na Coreia do Sul, o legado confucionista herdado da China, de natureza patriarcal, está enraizado na mentalidade das pessoas. Essa cultura enfatiza a soberania masculina, a divisão do trabalho por gênero e um sistema de valores que apoia as diferenças entre homens e mulheres (CHUNG, 1994).

 

Confucionismo

Por séculos, as crenças confucionistas moldaram o pensamento e o comportamento dos povos do Extremo Oriente. Diante dessa influência, a Coreia se tornou o país mais confucionista de toda a Ásia Oriental. O pensamento e os padrões sociais confucionistas têm forte atuação naquela sociedade. Ele foi introduzido na Coreia durante o período dos Três Reinos (37 a.C. - 935 d.C.) (CHUNG, 1994).

Vale a pena notar que o Confucionismo não só serviu como uma filosofia, mas também funcionou como uma ideologia política, particularmente durante a Dinastia Choson, a última dinastia coreana. O confucionismo é uma realidade para muitas pessoas na Coreia, fornecendo a base cultural para suas vidas cotidianas (GARCIA, 2000; KIM, 2017).

O pensamento confucionista é marcado por relações sociais que produzem e mantêm obrigações entre governante e governado, entre pais e filhos, esposo e esposa, irmão mais velho e irmão mais novo e entre amigos. Suas ideias, portanto, podem ser encontradas nas relações familiares, nas atitudes políticas, no trabalho e nas relações de gênero. De acordo com a estrutura da sociedade, as mulheres deveriam ocupar uma posição inferior à dos homens. A maioria dos adeptos aceitava a obediência das mulheres aos homens como natural (HAMPSON, 2000; GARCIA, 2000).

De acordo com as crenças confucionistas, a estratégia para a construção da sociedade ideal é o desenvolvimento por meio da educação e da moralidade. O homem se torna mais sábio com o aprendizado e na prática da virtude. Para criar essa sociedade, todos devem aprender rituais morais. A educação seria uma ferramenta para cultivar uma mente moral. Até mesmo se torna uma questão de patriotismo, pois, se as pessoas forem bem educadas, amarão verdadeiramente seu país (CHUNG, 1994).

Os homens são educados para desenvolverem a responsabilidade, assertividade e independência para serem líderes da família. Por outro lado, passividade, obediência, paciência e calma representam as características esperadas na formação das mulheres.

Além disso, a cultura confucionista, particularmente a teoria yin-yang, indica as disposições masculinas e femininas como símbolos do céu e da terra. Como resultado dessas crenças, uma hierarquia sexual e diferentes valores foram estabelecidos empregando distinções de gênero. Homens e mulheres são vistos como tendo papéis e funções diferentes. No que diz respeito à educação para as mulheres, era limitada às virtudes e às habilidades domésticas (WON, 1994).

O confucionismo coreano considera a família como uma unidade fundamental da sociedade e enfatiza uma estrita ordem hierárquica das relações humanas com base na idade, gênero e status social. Essas crenças estão mudando com o desempenho educacional das mulheres, as concepções democráticas e a competitividade da sociedade industrial (PARK; CHEAH, 2005).

O rápido crescimento da economia coreana nas últimas três décadas alterou a estrutura familiar coreana de maneira significativa, no entanto, a adesão aos valores familiares confucionistas permanece forte (HAMPSON, 2000).

As mulheres foram excluídas do sistema educacional formal porque acreditavam que uma esposa intelectual prejudicaria sua família (e sociedade) ao negligenciar os assuntos domésticos. Assim, embora as mulheres estejam se inserindo em maior número na educação superior, essa educação é percebida como um mecanismo para atrair um cônjuge de status mais elevado. As mulheres ocupadas em empregos remunerados, entretanto, têm status mais baixo do que as donas de casa porque sua necessidade de dinheiro é percebida como uma indicação de pertencimento a uma classe mais baixa (WON, 1994; HAMPSON, 2000).

 

Educação

A primeira escola coreana para mulheres, Ewha Haktang, foi fundada em 1886 por Mary F. Scranton, uma missionária norte-americana. Os objetivos da escola eram fornecer uma educação cristã para as mulheres coreanas. Ensinava que todos os seres humanos eram iguais perante Deus. A escola contribuiu para melhorar a posição das mulheres coreanas por meio da educação. Muitas escolas cristãs para meninas começaram a ser estabelecidas após o estabelecimento de Ewha Haktang (WON, 1994).

Como os costumes confucionistas exigiam que as mulheres permanecessem em casa, embora Scranton estivesse oferecendo alojamento e roupas, juntamente com educação, inicialmente não havia interesse para a educação feminina. Sua primeira aluna foi a amante de um oficial que gostaria que ela aprendesse inglês, com a esperança de que pudesse algum dia se tornar intérprete de mulheres nobres.

O início das atividades educacionais destaca como os coreanos encaravam a nova educação como algo que poderia elevar sua posição social. Mesmo os indivíduos pobres, as mulheres marginalizadas, poderiam esperar transformar sua posição social e ultrapassar as limitações construídas pelo Confucionismo por meio da educação (CAWLEY, 2021). Em algum tempo, a instrução oferecida na escola passou a abarcar o seguinte:

 

     Para crianças: Coreano, Língua Chinesa, composição, Aritmética, desenho, Geografia, ginástica elementar, Inglês;

 

     Início da adolescência: Estudos bíblicos, Chinês, moral, Geografia, História coreana, Aritmética, Inglês, Fisiologia, Higiene, Zoologia, Botânica, desenho, Culinária, Contabilidade, Ginástica;

 

     Adolescentes e adultos: Estudos bíblicos, língua chinesa, Álgebra, Geometria, Trigonometria, Astronomia, Fisiologia, Psicologia, estudos educacionais, Biologia, Química, Inglês, Geografia mundial, Fisiologia avançada, Economia, História geral (Moderna, Medieval, Inglaterra, América do Norte);

 

     Eletiva: música opcional.

 

Apesar do objetivo de evitar a ocidentalização das alunas, o currículo escolar indica que a escola expôs as meninas a um idioma ocidental (Inglês), uma história do mundo que incluía experiências inglesas e norte-americanas e um novo código moral por meio da Bíblia (YOO, 2008).

O rápido crescimento no número de escolas cristãs estimulou o interesse no estabelecimento de escolas privadas não ligadas a grupos religiosos para meninas. Várias organizações de mulheres, como a Yoja kyoyuk-hoe (Sociedade para a Educação das Mulheres) e a Chinmyong puin-hoe (Sociedade de Mulheres Chinmyong), surgiram durante esse período. Essas organizações de mulheres buscavam elevar o status das mulheres e  organizar instituições de ensino.

Apesar dos esforços de diferentes organizações de mulheres para pressionar o Ministério da Educação coreano a organizar escolas para meninas, membros conservadores do governo preferiram se concentrar em questões financeiras. Uma dessas organizações ainda conseguiu fundar uma escola privada, esperando apoio governamental. A escola, contudo, acabou indo à falência em 1901 (YOO, 2008).

No final da dinastia Choson, as mulheres coreanas queriam expandir os objetivos educacionais que os missionários haviam estabelecido para elas. Enquanto os missionários se concentravam em estabelecer escolas primárias, as coreanas começaram a procurar meios de criar instituições de ensino superior para que as mulheres pudessem continuar seus estudos (YOO, 2008).

As oportunidades educacionais para as mulheres começaram a se efetivar durante a ocupação japonesa (1910-46). A política japonesa para a educação das mulheres coreanas se fundamentava na ideologia da “boa esposa e mãe sábia”, que é um pensamento confucionista, popular também no Japão naquele período. O estado colonial começou a se concentrar na educação das mulheres coreanas, consideradas como a base da família (YOO, 2008).

Após a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial e sua retirada da península coreana, os movimentos para igualdade de oportunidades de educação entre homens e mulheres começaram a se efetivar. Três anos depois, quando os militares dos Estados Unidos ocuparam a área ao sul do paralelo 38, a discriminação educacional contra as mulheres foi abolida. A educação feminina foi endossada institucional e judicialmente em 1948, quando foi declarada como parte da Constituição coreana. O artigo 31 da Constituição especifica que todos os cidadãos devem ter igualdade no acesso à educação. Promulgada em 31 de dezembro de 1949, a lei de educação estipulava que a educação primária era obrigatória para todos os cidadãos; após a promulgação, a educação obrigatória foi implementada em grande escala (AHN, 2011).

O sistema educacional coreano se expandiu desde a Guerra da Coreia (1950-1953) e o nível educacional para homens e mulheres aumentou nas últimas décadas (HAMPSON, 2000). A ideologia da figura feminina ideal foi promovida para as alunas. A educação escolar era uma extensão da prática para se tornar uma dona de casa, servindo assim ao marido, educando os filhos e cuidando dos assuntos domésticos (AHN, 2011).

Na década de 1950, o currículo escolar estimula o aprendizado de habilidades em Economia Doméstica, como costura, tricô, datilografia, etc. entendidas como aspectos importantes para a formação feminina (LEE, 2003).

A partir da década de 1980, quando a baixa proporção de mulheres escolarizadas inseridas no mercado de trabalho passou a ser uma questão social, a educação feminina passou a ser discutida como parte da política educacional. Entre os anos 1980 e meados dos anos 1990, a participação feminina no ensino fundamental e médio foi quase universal  (AHN, 2011).

Na escola primária, a educação é obrigatória e financiada pelo governo, a proporção homem x mulher é semelhante. Da mesma maneira, não existe diferença significativa nas taxas de participação no ensino médio, em que o ensino obrigatório gratuito está parcialmente em vigor. Conforme os custos para as famílias se elevam, a taxa escolar de participação feminina diminui (HAMPSON, 2000).

Como resultado das campanhas de alfabetização e da expansão da educação primária, a taxa de alfabetização feminina aumentou. O aumento das taxas de matrícula na educação primária e secundária produziu mudanças positivas na educação feminina. A desigualdade de gênero diminuiu tanto no nível primário quanto no secundário em termos de números de matrícula (CHUNG, 1994).

Em 1990, 24% das mulheres ( entre 18 e 21 anos) estavam matriculadas no ensino superior e em 1997 este número subiu para 50,9%. No mesmo período, a porcentagem de homens matriculados nessa faixa etária aumentou de 50%, em 1990, para 85,7%, em 1997. No nível superior, as mulheres se concentram nas áreas de Educação e nas Humanidades, enquanto os homens ocupam os programas de Ciência e Tecnologia.

Durante a década de 1990, os debates sobre a igualdade de gênero na educação foram absorvidos pela discussão sobre as políticas para estímulo do crescimento econômico nacional. A diferenciação de gênero e a subutilização de mulheres com alto nível de escolaridade tornaram-se um problema, resultando no início de esforços sérios para corrigir essa situação  (AHN, 2011).

Em janeiro de 2001, o Ministério da Igualdade de Gênero e o Escritório de Políticas de Educação da Mulher no Ministério da Educação foram estabelecidos. Além disso, foi iniciado o 1º Plano Diretor de Políticas para as Mulheres (1998-2002), uma política que incluiu a expansão de diretoras, vice-diretoras e professoras, a ampliação da conscientização sobre igualdade de gênero entre os professores e o fortalecimento da orientação de carreira para estudantes do sexo feminino que buscam diversas áreas.

 

Conclusão

A educação feminina na Coreia do Sul passou por diferentes períodos ao longo da história, desde sua negação, interferências religiosas e governamentais, até o quadro atual de expansão. Foram tentativas de moldar uma mentalidade nas mulheres para controlar sua autonomia. O espaço ocupado por mulheres em diferentes setores tem se expandido na Coreia do Sul, o que é resultado de anos de reivindicações por igualdade de direitos e oportunidades.

Trata-se de uma temática vasta. Mais pesquisas podem ser produzidas sobre a educação feminina e as desigualdades de gênero na Coreia do Sul. Pontos que são, muitas vezes, eclipsados pela atenção apenas em produções midiáticas e artísticas sul-coreanas.

 

Referências biográficas

Leonardo Paiva do Monte é licenciado em História (UEPB) e mestre em História Social (USP).

Lilian Bento de Souza Silva é professora da rede municipal da cidade de João Pessoa/PB e doutora em Ciências da Educação (UNIDA).

 

Referências bibliográficas

AHN, Jae-Hee. Analysis of Changes in Female Education in Korea from an Education - Labor Market Perspective. Asian Women, 27(2), 113-139, 2011.

CAWLEY, Kevin. Christian pyrexia and education fever: female empowerment in the late Chosŏn dynasty, History of Education, 2021.

CHUNG, Ji-Sun. Women’s Unequal Access to Education in South Korea, Comparative Education Review, vol. 38 (4), 487-505, 1994.

GARCÍA, María Alejandra León. La mujer en la sociedad coreana. México y la cuenca del Pacífico, n. 11, p. 58-63, 2000.

HAMPSON, Sasha.  Rhetoric or reality?: contesting definitions of women in Korea. In: EDWARDS, Louise; ROCES, Mina. Women in Asia:  tradition,  modernity  and  globalisation. St Leonards, Austrália: Alien  & Unwin, 2000. p. 170 - 187.

KIM, Heisook. Confucianism and feminism in Korean context. Diogenes, v. 62, n. 2, p. 41-47, 2015.

LEE, I. H. 1950’s ‘Wise Mother, Good Wife’ Pedagogical Ideology and Gender Discrimination. In: Journal of Korean Studies, v. 122, p. 293-327, 2003.

PARK, Seong-Yeon; CHEAH, Charissa. Korean mothers' proactive socialisation beliefs regarding preschoolers' social skills. International Development, 29 (1), 24-34, 2005.

WON, Cho Kyung. Overcoming confucian barriers: Changing educational opportunities for women in Korea. In: GELB, Joyce; PALLEY, Marian. (Orgs.), Women of Japan and Korea: Continuity and change (pp. 206-222). Philadelphia: Temple University Press, 1994.

YOO, Theodore Jun. The politics of gender in colonial Korea: Education, Labour and Health, 1910–1945. Berkeley: University of California Press, 2008.


3 comentários:

  1. Olá, primeiramente muito bom dia.
    Gostaria de saudar-lhes pelo belo trabalho aqui exposto, vocês encerram o texto citando que os pontos elencados são "eclipsados pela atenção apenas em produções midiáticas e artísticas sul-coreanas" algo que de fato concordo e muito me alegra encontrar um texto sobre o assunto em língua portuguesa.
    Hoje vemos essa barreira no sistema educacional sul-coreano, que foi tão patriarcal quanto a própria sociedade, sendo rompido pouco a pouco, como vocês acreditam que isso se diferencia do que vemos em sociedades que são também marcadamente machistas em seu cerne "para o lado de cá"? No caso, qual seria a diferença entre lá e aqui, visto que nossa própria sociedade, de forma talvez um pouco "mais sutil", pode ser tão machista quanto?
    Desde já agradeço e lhes parabenizo mais uma vez,
    Emilly Layane de Sá Lima

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    1. Olá, Emily.

      Brasil e Coreia do Sul são duas sociedades atravessadas pela religiosidade patriarcal. O machismo no Brasil, entretanto, é mais violento. Outro ponto é a existência de mais políticas públicas na Coreia para a inserção feminina no mercado de trabalho e na educação.

      Lilian Bento

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  2. Olá, Emily.

    Brasil e Coreia do Sul são duas sociedades atravessadas pela religiosidade patriarcal. O machismo no Brasil, entretanto, é mais violento. Outro ponto é a existência de mais políticas públicas para a inserção feminina no mercado de trabalho e na educação.

    Lilian Bento

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