Eduardo Silveira Netto Nunes

 

O MUNDO EM DEBATE: REFLEXÕES SOBRE A VIDA E HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

 

Primeiras palavras

Em 2022, e no momento em que escrevemos este artigo, a pandemia do SARS-CoV-2/COVID-19 atinge a cifra global de 576.907.920 de casos confirmados e  6.399.742 de mortos. Os países com o maior número de infectados são Estados Unidos, Índia, França e Brasil com  91.309.159, 44.019.811, 33.997.224 e 33.813.587 casos, respectivamente. Se olharmos para os mortos, os Estados Unidos contabilizam 1.029.925 óbitos, seguido pelo Brasil, com 678.486 falecimentos e a Índia, com 526.357 mortes.

Como lidarmos com este mundo em constante modificação e conflito? Qual o papel da Universidade no debate público sobre os processos que afetam a sociedade contemporânea? Como a sociedade pode estabelecer interlocução construtiva com a Universidade? Como a Universidade pode a escutar a sociedade civil organizada, grupos e sujeitos envolvidos com as temáticas emergentes na realidade?

Perguntas como estas foram as principais desencadeadoras da organização e realização do projeto “MUNDO EM DEBATE: CONVERSANDO SOBRE O CONTEMPORÂNEO”, desenvolvido em 2019 no Programa Institucional de Bolsas de Extensão – PIBEX do Centro Universitário Sant'Anna, e que é objeto deste trabalho que busca apresentar a dinâmica dos trabalhos realizados.

 

Que mundo é este: provocações teóricas

Como sabemos, o mundo contemporâneo desenvolve-se com uma velocidade avassaladora. Os processos sociais, econômicos, políticos e culturais ocorrem e modificam-se intensamente em questão de dias, em flashes de segundos. O Banco Central Norte Americano decide subir ou baixar os juros, e imediatamente ondas de reação na economia global afetam todas as economias e sociedades do planeta.

A barragem de Brumadinho, vinculada à Companhia Vale do Rio Doce, rompe provocando uma tragédia criminosa; como reação, inúmeras medidas são adotadas pelo Estado de Minas Gerais, entre elas a interrupção da produção de minério de ferro em unidades com estrutura semelhante à Brumadinho, e isso acabando por reduzir oferta global de minério de ferro, elevando o seu preço internacional.

O primeiro ministro Britânico,  David Cameron lança uma bravata aos britânicos – a de que o Reino Unido sairia da União Europeia –, para indicar que era crítico ao processo de integração desenvolvido desde os anos 1950 na região, e a ideia acaba passando por um plebiscito no qual, por uma ínfima diferença, saí vencedora a opção de SAIR DA UNIÃO EUROPEIA, o que acabou produzindo uma “revolução” na história das relações internacionais pois representava o enfraquecimento da antiga tônica do multilateralismo e o fortalecimento de relações bilaterais, além de sacudir a própria zona Euro, com impactos globais, pela importância do Grã-Bretanha e da União Europeia na economia e na política internacional.

Os temas globais indicam como os processos estão inter-relacionados e são complexos. No caso do Brasil, poderíamos citar o flerte com o autoritarismo nas plataformas e ações governamentais do político presidente da República do Brasil entre 2018 e 2022. Nas tensões envolvendo a Venezuela. Nas reformas da previdência e trabalhista. Na emergência de pautas reacionárias, negacionistas, algumas beirando o protofascismo. As questões ambientais e, em especial, as queimadas e desmatamento.

Os exemplos de temas e acontecimentos são intermináveis, os quais pululam no cotidiano brasileiro e mundial, e demandam uma necessária reflexão enquanto os processos estão em curso, não encerrados, em outras palavras, enquanto ainda estão “quentes”.

Em um mundo “confuso e confusamente percebido”, como diz Milton Santos (2003, p, 9), é indispensável que intentemos fazer um esforço de “decifração” e de compreensão da realidade facilitando a inteligibilidade de processos complexos da atualidade, tarefa indispensável para nos posicionarmos socialmente (BOFF, 2009).

A globalização do mundo “assinala a emergência da sociedade global, como uma totalidade abrangente, complexa e contraditória; uma realidade desafiando práticas e ideias, situações consolidadas e interpretações sedimentadas” sendo indispensável para perceber e compreender essas mudanças, a necessidade de mantermos “nossos olhos alertados […] para reconhecer essa nova realidade”, sendo indispensável exercitar a compreensão desses fenômenos (IANNI, 2004, p.7, 11).

O desafio da globalidade, diz Edgar Morin, “é também um desafio de complexidade; existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes” (MORIN, 2010, p. 14).

Frente a avalanche de informações e complexidades desenvolve-se por vezes “uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário”, em tais condições “as mentes… perdem suas aptidões naturais para contextualizar”, sendo que para Morin, o conhecimento progride “pela capacidade de contextualizar e englobar” (MORIN, 2010, p. 15).

Como a Universidade pode contribuir para esse processo de compreensão e consciência sobre a complexidade que afeta a realidade contemporânea? Entendemos que o “Mundo em Debate” procurou exercitar respostas a essa pergunta, demarcando um lugar teórico, político, intelectual e social de fomentar a reflexão crítica e complexa sobre os processos que constituem a nossa realidade como sujeitos: locais, globais; individuais e coletivos; filhos do presente e do passado; comprometidos nesse destino que é viver socialmente. Afirma Escobar: “Construir o lugar como um projeto, transformar o imaginário baseado no lugar numa crítica do poder pelo lugar, exige-se aventurar-se por outros terrenos” (ESCOBAR, 2005, p. 152).

 

Mundo em Debate na prática

Na realização do Mundo em Debate, buscamos criar espaços de debate, reflexivo e de bate-papo, periódico, mediado por docentes e convidad@s, e de livre participação de discentes, público externo, funcionários. Nesse ambiente, foi possível problematizar a realidade contemporânea em suas múltiplas facetas, tendo como ponto nodal diversas questões emergentes de cada agora!

 

Ao longo de nove encontros, conseguimos constituir um frutífero ambiente de trocas, intercâmbios e reflexões sobre temas candentes. No quadro 1 temos a descrição de cada um desses encontros e dos respectivos convidados.

 

QUADRO 1. Temas e convidados. Mundo em Debate, 2019


Carrossel de cartazes do Mundo em Debate, 2019









Os temas dos encontros eram decididos pela equipe do projeto juntamente com discentes do curso de Licenciatura em História, a partir da mídia e observação de temas com projeção pública. Decidido o tema, a equipe buscava estabelecer contatos com organizações da sociedade civil e acadêmicos para definir os e as convidadas. Definido @s participantes, realizávamos a divulgação em redes socais, e-mails, materiais gráficos. A cada evento organizávamos espécie de arena, semicircular, em espaço de circulação pública, com livre-acesso e livre participação. A dinâmica correspondia à exposição dos convidados seguida da abertura dos microfones ao público.

O primeiro encontro “UNISANTANNA DEBATE AS POLÊMICAS DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO: PARA QUÊ FILOSOFIA, SOCIOLOGIA E PAULO FREIRE?”, contou com Sidnei Ferreira Vares e Eduardo Silveira Netto Nunes, que refletiram sobre as polêmicas geradas pelo Ministro da Educação e movimentos conservadores na educação, como Escola Sem Partido, que combatiam a escola democrática, o pensamento educacional freireano e áreas como filosofia, sociologia e história, acusando-as de serem comunistas. A reflexão questionou argumentos e fundamentos do negacionismo, do pensamento anticientífico e a culpabilização de Paulo Freire pelos problemas da educação brasileira.

O segundo encontro, UNISANTANNA DEBATE LGBTfobia E O DIREITO ÀS DIFERENÇAS contou com a participação de Leonardo Arouca (Centro de Memória do Museu da Diversidade Sexual do Estado de São Paulo), da Alleid Machado e de Eduardo Nunes e Sidnei Vares, que dialogaram sobre: os direitos e conquistas do movimento; as violências e violações de direitos das pessoas da comunidade LGBTQI+; e, as ameaças que os direitos conquistados estavam sofrendo diante das investidas conservadoras e heteronormativas. De maneira especial, repercutiu-se o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da viabilidade do casamento de pessoas do mesmo sexo como sendo juridicamente válido. Falou-se da dificuldade das pessoas LGBTQI+ ter reconhecimento e legitimidade de vivenciar os seus afetos sem preconceito e discriminações, em especial, foi lembrado do papel político do Museu da Diversidade Sexual de SP e a luta para tentar implantá-lo como representativo e simbólico da luta e das conquistas do movimento. Entretanto, a implantação do Museu em um local definitivo, sofreu reveses com a onda conservadora que ganhou força política nos últimos anos.

O terceiro encontro, UNISANTANNA DEBATE AS VULNERABILIDADES NO MUNDO CONECTADO, contou com Roberto Coutinho, Especialista em Segurança da Informação, e Eduardo Nunes, que dialogaram sobre as inúmeras potencialidades de uma sociedade conectada às novas redes de comunicação e com intensa utilização das novas tecnologias da comunicação e informação, bem como dos riscos envolvidos com esse mundo conectado. Também se refletiu sobre a estrutura de poder relacionado ao mundo conectado extremamente complexo e com a concentração de poder em grandes conglomerados empresariais como Google, Microsoft, Facebook, entre outros. Falou-se na existência de movimentos de resistência ao ímpeto corporativo e financeirizado da rede, que defendem o direito de neutralidade da rede, bem como os direitos humanos associados à nova realidade conectada, como a necessidade de medidas de inclusão digital, educação digital e cidadania virtual. Exemplificou-se as tensões políticas na rede com o caso do Wikileaks (ASSANGE, 2013) , quando trouxe à público milhares de documentos do governos Norte Americano sobre guerras e abusos cometidos no Oriente Médio por tropas do país, bem como documentos diplomáticos com temáticas sensíveis, que envolviam o grampeamento de líderes mundiais, o monitoramento de comunicação de líderes políticos de grandes nações como Alemanha e Brasil. Também foi dialogado sobre os efeitos danosos das fakenews em eleições e na vida social, bem como, a respeito da privacidade dos usuários da rede e uma verdadeira mercantilização da sua intimidade por quem acessa esses dados.

A segurança nas redes coloca-se como uma variável indispensável de ser levada em consideração em nossa atualidade seja pela quantidade de conexões que estabelecemos através de meios digitais e da internet, seja pela interminável quantidade de dados que fornecemos na web, sobre nossas vidas, nossa intimidade, nossas finanças, nossas visões de mundo no mundo.

O quarto encontro, UNISANTANNA DEBATE A REFORMA OU DESTRUIÇÃO DA PREVIDÊNCIA?, contou com Victor Gnecco Pagani (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese); com Genésio Denardi e Margarida Lopes de Araújo (Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil); e Eduardo Nunes. Os debates refletiram sobre os projetos de modificação do sistema de Previdência Social e de Seguridade Social que estavam em pauta no Congresso Nacional, Reforma da Previdência que acabou aprovada em 2019 através da Emenda Constitucional nº 103. As discussões oportunizaram aos presentes a aproximação das características da Reforma da Previdência que afetava diretamente os trabalhadores e as trabalhadoras, em geral, e em especial @s de menor renda e qualificação e @s precarizad@s. Foram ressaltadas as diversas consequências negativas, para @s assalariad@s e @s precarizad@s: pelo aumento da idade mínima (62 para mulheres, 65 para homens); pela mudança na fórmula do cálculo da aposentadoria (100 % dos salários de contribuição, ao longo do tempo); pela aplicação do tempo de contribuição para o cálculo da aposentadoria (60% dos salários, + 2% de contribuição por ano trabalhado acima de 20 anos); pensão por morte (50 % do valor da aposentadoria + 10% por cada dependente).

Os debatedores externalizaram preocupações com as consequências da reforma proposta para a sociedade brasileira tendo em vista outras mudanças legais envolvendo o mundo do trabalho, da seguridade social e da previdência social.  Victor Pagani, do Diesse, e Eduardo Nunes, falaram da Reforma Trabalhista, que entre outras coisas, criou o Contrato de Trabalho intermitente, derrubando o paradigma da jornada de trabalho de 44 horas semanais, estimulou a criação de “empreendedores individuais” (fora das regras da Consolidação das Leis do Trabalho), fragilizou o poder de negociação de categorias profissionais em relação às empresas. As “reformas” Trabalhista e da Previdência geraram impactos direto e negativamente na renda do trabalho e nas condições de vida de trabalhadoras/es. Essas medidas juntamente com a crise econômica de 2018-2019, baixo crescimento, ações erráticas que desestruturam o sistema produtivo nacional, a Emenda Constitucional 95, de 2016, versando sobre o teto dos gastos públicos impondo congelamento de gastos em saúde, educação, serviços e políticas públicas, redundaram em um ambiente de retração e perda de direitos e garantias para os setores menos favorecidos no país.

O quinto encontro, UNISANTANNA DEBATE O MEIO AMBIENTE ENTRE QUEIMADAS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, contou com a Gustavo Veronesi (SOS Mata Atlântica), Letícia Roberta Trombeta, Felipe Almeida dos Santos e Eduardo Nunes. Diante das queimas históricas observadas em 2019 na região da Amazônia brasileira, o Brasil e o mundo expressaram, através de diferentes meios, organizações, movimentos e pessoas, críticas e denúncias sobre a devastação ambiental com graves consequências para a flora, a fauna e a sustentabilidade do planeta. De modo especial, as queimadas na Amazônia estimularam um debate sobre quais os modelos de desenvolvimento são realizados no Brasil, e os gravíssimos problemas derivados da degradação do meio ambiente.

Contextualizando as questões gravíssimas afetando diferentes biomas do Brasil, com destaque para a região amazônica e da mata atlântica, Veronesi (SOS Mata Atlântica), indicou como o desenvolvimento insustentável tem produzido mudanças climáticas, extinção de espécies, poluição e contaminação ambiental (ar, água, terra e subsolo) em escala crescente, afetando à toda a sociedade. Os Professores Felipe Santos e Eduardo Nunes, pontuaram o desmonte de políticas públicas ambientais, com o enfraquecimento de instituições como o Instituto Chico Mendes (ICMBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); a dominância dos interesses do agronegócio nas questões ambientais; e posturas negacionistas, questionando a veracidade da degradação do meio ambiente. Por fim, a Professora Letícia Trombeta apresentou o projeto de Monitoramento da Qualidade da Água, da ONG SOS Mata Atlântica, com “Observação dos Rios” que realiza coleta de água no rio Tietê e em outros locais para registrar a poluição e degradação ambiental desse rio. Ela criticou as iniciativas tolerantes da política ambiental atual com o desmatamento e as queimadas.

O sexto encontro, UNISANTANNA DEBATE A POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA: ELEIÇÕES NA ARGENTINA, BOLÍVIA E URUGUAI, contou com a participação de Franco Alejandro López (jornalista, chileno), de Eduardo Nunes e do Mateus Fiorentini. Frente às grandes questões e tensões políticas na América Latina, ao longo da história, e em especial desde final da década de 1990 e ao longo dos primeiros 15 anos do século XX, quando tivemos uma “onda” de governos progressistas em inúmeros países da região, com destaque para o Brasil, o Uruguai, a Argentina, a Bolívia, a Venezuela e o Chile (CASTRO, 2012), e de 2015 e início da década de 2020, quando tivemos sucessivos governos neoliberais, de direita, centro-direita, emergindo em contextos de crises políticas e  golpes que redundaram na deposição de governos como de Dilma (Brasil) e Evo Morales (Bolívia); tentativas de derrubada do presidente Maduro (Venezuela), com Juan Guaidó; ou eleição de presidentes de extrema direita (Brasil) e de direita (Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Paraguai). Alento para os setores progressistas foi a eleição em 2018 de Andrés Manuel López Obrador (México), e no final de 2019, de Alberto Fernández (Argentina).

Os participantes repercutiram a processo político na América Latina como um ambiente carregado de tensões e sinais, muito significativos, de tentativas de enfraquecer governos e pautas populares, em favor de projetos associados ao neoliberalismo e neocolonialismo, ao invés de alternativas altermundistas e progressistas com associação às demandas dos setores menos favorecidos e trabalhadores. Foi comentado as grandes mobilizações de rua pedindo uma nova constituição, nova previdência social e nova política educacional no Chile, todas elas tendentes a democratizar a sociedade chilena e as oportunidades às famílias empobrecidas.

O sétimo encontro, UNISANTANNA DEBATE AS CRISES HUMANITÁRIAS CONTEMPORÂNEAS E O MUNDO ATUAL, contou com o lançamento do livro “Haiti 200 anos de História”, e teve a participação de Everaldo de Oliveira Andrade (USP), de Alex André Vargem (Centro de Apoio e Pastoral do Imigrante – CAMI) e de Eduardo Nunes. Diante dos grandes processos de êxodo, migração e imigração intensificados na contemporaneidade por conflitos de grande magnitude como a guerra na Síria, conflitos no norte da África, o conflito armado na Colômbia, desastres naturais como o terremoto no Haiti, ou crises econômicas como a de 2008 nos Estados Unidos, e a crise da dívida pública em países da zona euro como Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda, situações que tiveram consequências globais, repercutindo em pressões sobre as populações ao redor do mundo, com sensíveis expressões nas imigrações.

Em 2019, a Organização Internacional para Migrações (OIM), da Organização das Nações Unidas (ONU), registrou 272 milhões migrantes internacionais, dos quais ao redor de dois terços (2/3), ou 181 milhões, são migrantes por razões econômicas, chamados de migrantes de mão-de-obra; 28 milhões eram migrantes na condição de refugiados por motivos de perseguição política, cultural, étnica, religiosa (OIM, 2019). Para analisar a questão das migrações e suas repercussões no Brasil, Alex, do CAMI, refletiu sobre a realidade tensa e conflituosa que envolve a condição de imigrantes, com a reemergência da xenofobia e políticas de restrição ou perseguição a imigrantes em diversos países. Problematizou as motivações que caracterizam os imigrantes ao Brasil por razões humanitárias – Colômbia, Haiti, Congo, Síria; por razões econômicas – Bolívia e Venezuela. Também explicitou as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes no Estado e na Cidade de São Paulo e as ações restritivas do governo federal como a Regulamentação da Nova Lei de Imigração, Lei nº 13.445, de 2017.

Criticando a saída do país do Pacto Global pela Imigração da ONU, em 2019, pela renúncia do Brasil em partilhar de acordos e consensos internacionais de modo a garantir os direitos humanos dos imigrantes no Brasil e nas nações signatárias, a participação de Eduardo Nunes, explicitou a história da formação do Brasil, ao longo dos séculos, marcada pelos deslocamentos populacionais, desde épocas remotas de nossa história, com os primeiros hominídeos do nosso território, até a transposição forçada de africanos submetidos à escravidão, e contingentes de europeus (entre outras populações), em especial, entre 1880 e 1930, chegando nas últimas décadas com as migrações de latino-americanos desde os anos 1990, proveniente de regimes ditatoriais, por conflitos armados (Colômbia), na busca por melhores oportunidades (Bolívia, Venezuela, Colômbia, Peru, Cuba).

A fala de Everaldo Andrade destacou o processo histórico que envolveu o Haiti, desde os conflitos políticos que redundaram no golpe de Estado em 2004, gerando as condições para a intervenção da ONU, no país, através da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), coordenada pelo Brasil; passando pela grave crise humanitária provocada pelo terremoto de 2010, que ocasionou a morte de mais de 200 mil pessoas; até a saída dessa Missão em 2017. Apresentou um balanço da longa trajetória do Haiti, desde o início do processo de conquista e colonização empreendido pelos europeus desde o século XV; passando pela independência do país, em 1804, e pela turbulenta realidade da formação da nação ao longo do século XIX e XX. Enfatizou os processos de tutela e intervenção que o país sofreu ao longo de todo o século XX e que dificultaram a construção de relações sociais e políticas autônomas.

 

Palavras finais em um mundo em mudanças

A Universidade ocupa ou pode ocupar um lugar destacado do debate público, pois, a princípio condensa pessoas que se dedicam sistematicamente ao estudo, à observação dos processos e fenômenos sociais e podem assim, sistematizar informações, conceitos, eventos e acontecimentos que, em um primeiro momento parecem desconexos, mas possuem intrínseca conexão e interdependência. Como compreender um mundo multifacetado, complexo e dinâmico? Como a Universidade pode participar do debate sobre questões relevantes das nossas sociedades?

O projeto Mundo em Debate proporcionou uma oportunidade para a comunidade universitária e geral, um espaço para interlocução com diferentes agentes e pensadores que refletiram sobre a experiência social, coletivamente construída no presente e em processo dinâmico. Esses debates foram desenvolvidos com a participação do público que acompanhou as atividades, formulando questões, posicionando-se sobre as temáticas.

 

Referências biográficas

Eduardo Silveira Netto Nunes, Professor, Universidade Federal do Acre, Doutor História Social. Contato: edunettonunes@gmail.com

 

Referências bibliográficas

The Johns Hopkins Coronavirus Resource Center (CRC) (Dados do SARS-CoV-2/COVID-19). Disponível em:  https://coronavirus.jhu.edu/map.html

ANDRADE, Everaldo de Oliveira. Haiti: dois séculos de história. São Paulo: Alameda, 2019.

ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: Um manifesto. São Paulo: Boitempo, 2019.

ASSANGE, Julian. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. São Paulo: Boitempo, 2013.

BOFF, Leonardo. Opção Terra: a solução para a Terra não cai do céu. Rio de Janeiro: Record, 2009.

CASTRO, Nils. As esquerdas latino-americanas em tempos de criar. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2012.

ESCOBAR, Arturo. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalização ou pós-desenvolvimento. In: Lander, Edgardo (org.). A colonialidade do saber. Eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005. p. 133-168.

IANNI, Octavio. A era do globalismo. 8ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 18ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

OIM. Organização Internacional para Migrações/ONU. Número de migrantes internacionais no mundo chega a 272 milhões. Nova York: OIM, 2019. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/11/1696031

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.


4 comentários:

  1. Olá, Prof. Eduardo.

    Agradeço por compartilhar sua experiência conosco. É sempre muito bom conhecer iniciativas que buscam levar o debate qualificado para fora da sala de aula. Como professora de estágio, considero que esse tipo de projeto contribui muito para a reflexão e a prática da educação não formal, por nossos estudantes, na futura prática profissional deles.

    Dito isso, gostaria de saber: no geral, quais foram as percepções dos licenciandos em relação à atividade?

    Uma outra dúvida, é se havia conceito(s) que interligava (m) os debates, no momento das palestras, ou se isso foi feito em sala de aula com os discentes.

    Parabéns pelo trabalho!

    Luciene Santos P. da Silva

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  2. Olá Prezada Luciene!
    Obrigado pela pergunta!
    Realmente, como você afirma, a educação não formal coloca-se como uma modalidade muito importante para que consigamos contribuir com o processo de "decifração" deste nosso mundo confusamente produzido, confusamente recepcionado, confusamente compreendido.
    Entendo como fundamental que historiadores e historiadoras também atuem em espaços e momentos "fora" do contexto condicionado e obrigatório da educação formal. Frequentemente no espaço curricular, temos modulações e "sequencias" cada vez mais estritas que vão dificultando o tratar de "outros" temas, recortes e abordagens. Entendo que historiadoras e historiadores possuem uma formação que permite refletir e incidir de modo qualificado nos debates sobre os processos que estão em curso, em parte o projeto que desenvolvemos buscou fazer isso.
    As e os discentes que acompanharam e participaram eram de História mas, pelo fato de que era uma atividade "em uma área de passagem", no saguão da instituição, diversas pessoas (discentes de outros cursos, funcionári@s, visitantes, etc) acabavam parando para acompanhar a atividade, ou mesmo ficavam escutando "de lado" o que se falava.
    A atividade procurou também viabilizar "outras falas" da sociedade civil (ONG's) não figuras da mídia ou institucionais.
    @s discentes de licenciatura, frequentemente, levavam (também porque estimulávamos) seguir o debate e a reflexão para dentro das aulas, fazendo relações entre argumentos e temas tratados em sala.
    Sobre a questão "conceitos que interligavam os debates": partimos de uma significativa caminhada como militante e historiador atento ao mundo e às questões emergentes e um, entre outros, "o que a Universidade, a história tem a dizer, a refletir, a estimular uma construção de outros olhares" sobre este mundo em "ebulição"?
    Partíamos de questões "quentes" que transitavam na mídia, nas redes e selecionávamos alguns para organizar as sessões: a realidade se impunha como pauta, sobre ela, o que tínhamos a dizer?
    No fundo de tudo, atravessa provocações advindas do movimento "outros mundos possíveis", "Fórum sociais mundiais", "epistemologias do sul global", "filosofia latino-americana descolonizadora", "conhecimento complexo, inter, trans, multi, anti-disciplinar", "pedagogia da esperança, do oprimido, da libertação", "educação popular latino-americana", entre outras.

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  3. De fato, acho que partir de um questionamento é mais válido como fio condutor, pois oferece maior autonomia para que os estudantes pensem os conceitos e abordagens, considerando a própria bagagem e os debates realizados ao longo do Projeto. Assim, incluem-se percepções da realidade que não estão, necessariamente, ligadas à acadêmica.

    Agradeço a resposta, prof. Eduardo, foi bastante esclarecedora.

    Luciene

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  4. Olá Luciene, muito obrigado a você pelas observações e, como sempre tratamos que a a História "parte do presente", entendemos fundamental permanentemente estarmos fazendo esse "diálogo" com o mundo contemporâneo a partir das "emergências" que se colocam no dia-a-dia. Sugiro, caso a Sra. não conheça, conhecer a coleção "Tinta Vermelha" da editora Boitempo, que trata de "temas urgentes", ou "Coleções emergências", da editora Expressão Popular, as quais podem colaborar neste apropriar-se e debater o presente com perspectiva histórico-social.

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