Cláudia Sena Lioti

 

OS PRIMEIROS MOMENTOS DA EDUCAÇÃO PARA A INFÂNCIA NA REGIÃO NORTE DO ESTADO DO PARANÁ POR MEIO DE FOTOGRAFIAS

 

A partir do instante em que nossas intenções permitem, outros objetos além de ofícios, atas, legislações e relatos escritos podem se tornar testemunhas de um fato passado. As fotografias, por exemplo, são também fontes históricas poderosas para discorrer sobre aspectos da vida privada, sobre a história das instituições, sobre o cotidiano, as relações pessoais, dentre outras ações.

Entretanto, espera-se que elas sejam interpretadas com sagacidade por quem as observa, já que dessa maneira se pode desvendar características sociais, obter pistas sobre outros tempos e ajudar a compreender comportamentos. Ao analisar uma fotografia deve-se entrepor o seguinte desafio: Como apreender as mensagens e informações que não foram primeiramente evidenciadas na imagem? Como não analisar de modo perfunctório uma imagem fotográfica e ultrapassar os limites da superficialidade para chegar a uma verificação pormenorizada?

Portanto, o objetivo deste artigo é propor uma reflexão sobre a importância de considerar todos os aspectos de uma fotografia. Na tentativa de desvelar a conexão das imagens fotográficas com fatores econômicos, políticos e sociais. Utiliza-se como instrumento os primeiros registros fotográficos localizados em pesquisa documental sobre a história do Parque Infantil Décio Medeiros Pullin de Mandaguari, uma instituição pioneira no atendimento à primeira da infância da região norte do estado do Paraná.

A partir dessas fotografias, narra-se sobre os primeiros momentos da história da educação pública ofertada para crianças pequenas nessa região, utilizando por exemplo, o registro fotográfico das últimas etapas do processo de edificação do prédio e do prédio já erguido e pronto para o primeiro dia de aula.

Adotou-se, como metodologia, a pesquisa documental. Buscou-se pelos primeiros registros fotográficos que pudessem descrever alguns dos principais momentos vivenciados nas primeiras décadas nos arquivos desse Jardim de Infância que hoje tem uma denominação diferente daquela adotada em suas primeiras décadas, Centro Municipal de Educação Infantil Tio Patinhas.  Apresenta-se, também, referências bibliográficas que destacam a relevância dos documentos imagéticos (TAMANINI, 2020), e consideraram a realidade empírica em cada registro fotográfico (GINZBURG, 2007).

Por meio da rápida discussão apresentada neste artigo, defende-se que, uma análise mais cuidadosa das fotografias apresentadas aponta para a materialidade das informações e apreensões que não são captadas numa investigação superficial, num primeiro olhar e numa observação despretensiosa. 

Propõe-se evidenciar as demais estruturas que se articulam com a informação inicial que a fotografia transmite, evidenciar a composição do aglomerado de personagens que ajudaram na composição da história dessa instituição e desvelar circunstâncias que poderiam passar imperceptíveis em um olhar mais superficial de quem observa.

Compreende-se, contudo e conforme Bloch (1993) que essas interpretações não passam de “pistas” daquilo que realmente aconteceu. Este grande historiador afirmou também que não se pode compreender todo a concretude de um fato que ficou para trás. O que temos são dados incompletos e fragmentados (GINZBURG, 2007).

O que podemos por meio de rápidas reflexões como essa é aprender a perceber as limitações de um olhar raso para uma fotografia enquanto documento histórico.

 

As fotografias que contam uma parte da história de um Jardim de Infância

Conforme proclamou Bloch (1993), nenhum documento é capaz de falar por si próprio, aquele que o investiga precisa saber interrogá-los. Caso o historiador não o saiba fazer, mesmo um documento por mais corpulento que seja, dirá sempre muito pouco e as argumentações daqueles que o faz, não passarão de puramente instintivas.

Ao se observar uma fotografia, deve-se investigar sentimentos, valores, cultura e as pistas que a imagem fornece sobre as características da comunidade, da política, da economia e dos demais aspectos sociais. Deve-se ir além da representação aparente desta imagem (CIAVATTA, 2002).

Naturalmente, é necessário ponderamento nos questionamentos que se faz ao explorar um documento iconográfico, é necessárias perguntas flexíveis e abertas, que possibilitem a infinidade de percursos e surpresas que as respostas podem dar, compreendendo assim que as fotografias denunciam aspectos de um processo social complexo, produzido historicamente:

“[...] O explorador sabe muito bem, previamente, que o itinerário que ele estabelece, no começo, não será seguido ponto a ponto. Não ter um, no entanto, implicaria o risco de errar eternamente ao acaso. A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele” (BLOCK, 1993, p. 45).

Para melhor compreendê-la, é preciso também que este sujeito tenha entendimento da cultura histórica, dos processos sociais e da conjuntura que é parte do cenário daquela fotografia (MAUAD, 2004, p.20).

A partir dessas argumentações, anuncia-se que o Parque Infantil Décio Medeiros Pullin de Mandaguari-PR, hoje, Centro Municipal de Educação Infantil Tio Patinhas, foi instituído em 21 de setembro de 1950, na gestão do prefeito do Décio Medeiros Pullin (1950-1953), com o intuito de dar atendimento educacional para à infância de Mandaguari e região, até então desassistida em relação a educação infantil.

A Figura 1, em preto e branco, nos permite observar aspectos da construção desse Jardim de Infância, além de algumas circunstâncias e personagens que protagonizaram a fundação da instituição.

 

Figura 1- Parque Infantil Décio Medeiros Pullin em fase final de sua construção

Fonte: Acervo do Grupo Mandaguari Histórica (1950).

 

 Ao observarmos a composição da fotografia conseguimos identificar dois diferentes grupos de cidadãos. O primeiro é composto por autoridades e pessoas da elite do município: o militar Capitão Nerino, com o seu traje oficial de policial militar. Augusta Coelho Pullin, a esposa do prefeito Décio Medeiros Pullin, vestida com saia preta e blusa xadrez, e o Dr. Ary da Cunha, o primeiro prefeito municipal, vestindo um terno claro, bege (LIOTI, 2022).

O segundo grupo é composto por profissionais braçais, o proletariado, que não foi possível identificar. A análise do registro fotográfico suscita reflexões: Qual a importância dessas pessoas para a edificação deste jardim de infância? Na imagem aparecem pessoas da elite do município e trabalhadores, além de uma criança que pode fazer parte do quadro de obreiros, ou está acompanhando um familiar que trabalhava na construção do edifício? Quais outras interpretações são possíveis a partir da análise da figura?

Santaella (2012, p. 80) declara que analisar uma fotografia requer não apenas uma observação para as imagens que a fotografia traz, mas também uma verificação cautelosa para as demais mensagens que a imagem movimenta e que lhes são intrínsecas. É preciso observar disposto a sentir, contemplar e inteirar-se.

Logo, a fotografia supracitada não mostra apenas os momentos finais da construção do edifício que é parte da história da educação para a infância do estado do Paraná, evidencia um fenômeno social, a discrepância entre classes.

Culturalmente e infelizmente, valoriza-se somente a ação das pessoas da elite na construção dos estabelecimentos escolares, concepções altamente hierarquizadas, rígidas e exclusivas que dão às determinadas classes um ponto específico, bronco e irrelevante de ocupação na construção da história. Que distancia os trabalhadores de posições de destaques nos processos e conjunturas do passado.

Lamenta-se que, num olhar superficial para a fotografia, enxerga-se apenas as pessoas que estão ali para dar status à obra. Sendo essa uma visão cultural que condiciona e orienta, e que ao mesmo tempo em que discrimina, generaliza.

Neste artigo, mostram-se os profissionais que exerceram as funções pesadas na edificação do Jardim de Infância e ousa-se dizer que todos os personagens da fotografia são parte da história da escola e que a imagem supracitada ratifica essa constatação pois, ela é uma memoração genuína e palpável de um momento que ficou para trás. Ponderações semelhantes estão também nos estudos de Santaella (2012, p. 87), quando afirma que “[...] aquilo que vemos em uma foto não é uma imaginação, um sonho, uma recordação, mas a realidade em seu estado de passado”.

A figura 2 mostra o Jardim de Infância em seu primeiro dia de funcionamento, 21 de setembro de 1950.

 

Figura 2- Parque Infantil Décio Medeiros Pullin em seu primeiro dia de funcionamento

Fonte: Acervo do CMEI Tio Patinhas (1950).

 O Jardim de Infância é, até os dias de hoje, uma memória viva do momento em que a história da educação para a infância dessa região estava principiando. Possui uma área territorial ampla quando se considera o fato de estar localizada em uma cidade do interior de estado. Até os dias de hoje está localizada na quadra 22 da Rua Manoel Antunes, no centro de Mandaguari. Ocupou, de 1950 até 2008, todo o quarteirão, até que em 2008, teve sua área partilhada com uma escola de ensino fundamental I.

O terreno é fruto de uma doação ao município da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), empresa possuinte de lotes e principal responsável pela colonização da região (LIOTI, 2022). 

A construção se destaca em sua estrutura física, embora não fosse exatamente um estabelecimento com as características da arquitetura dos grupos escolares do início do século XX, era certamente “[...] um ponto de destaque na cena urbana, de modo que se tornasse visível, enquanto signo de um ideal republicano, uma gramática discursiva arquitetônica que enaltecia o regime republicano” (BENCOSTTA, 2005, p. 97).

Respeitando as especificidades da pesquisa, na simplicidade da cidade que experimentava a aurora de sua fundação, o pioneirismo da instituição, a grande área externa escolar e o edifício com espaços amplos, bem arejados e elegantes, era uma construção que contribuía  no embelezamento e em novas visitas para a cidade (MOREIRA, 2005). 

Além disso, as escolas passaram a ser um espectro dos valores e das normas sociais almejadas pelo governo republicano (MONARCHA, 1999). Entretanto, nesse período da história da educação para a infância no Brasil, os Jardins de Infância não eram em número suficiente para atender a demanda, tanto que no município de Mandaguari, esta instituição foi a única a atender a infância por mais de 20 anos.

 

Sendo assim, a imagem mostra em suas entrelinhas disputas silenciosas, mas, ao mesmo, tempo densas. Já a administração que o institui, por meio de sua estrutura imponente, tentou entregar para a comunidade mandaguariense uma obra vanguardista e de grande valor para a educação para a infância da região.

 

Contrapõe-se a isto o fato de que uma pequena minoria das crianças da cidade e região tinham a possibilidade de frequentar o espaço. A União pouco fez pelo ensino para as massas, ação que tornou os Jardins de Infância, nesse período, um local frequentado principalmente pela infância das classes com privilégios sociais.  

 

Considerações finais

Confirmou-se, neste artigo, que as fotografias como fontes documentais de pesquisas de cunho social e histórico podem tornar mais fácil a compreensão da história do objeto de pesquisa elencado. Elas são, portanto, “[...] o passado, mas não está mais no passado quando interrogada. Isto posto, torna-se uma ponte, uma testemunha, um lugar de verificação, um elemento capaz de propiciar conhecimentos acertados sobre o passado” (RAGAZZINI, 2001, p.14) 

Não se pode negar a quantidade de informações que uma fotografia pode propagar, tão pouco a sua natureza documental e importância para a compreensão da história de determinados locais. Contudo, compreendê-las de forma aprofundada não é uma tarefa fácil. Decifrá-las é um trabalho árduo.

Apreende-se que, propor uma investigação mais apurada sobre as mensagens que uma fotografia pode trazer revela diversas conexões e fatores, mas nem assim, se pode ter a certeza de conhecer a fundo as determinações do passado, pois nenhum elemento é capaz de oferecer uma compreensão da totalidade de um momento histórico que ficou para trás, pois, o passado é um conjunto infinito e inesgotável de possibilidades e determinações.

As fotografias aqui apresentadas trazem consigo não apenas as primeiras informações que são captadas logo que são analisadas. Despertam também a compreensão de um mundo de fatos e relações silenciosas, mas também densas, que foram ligeiramente problematizadas para as discussões desse estudo a partir do “[...] do olhar da pesquisadora para reconstruir um instante pretérito (CIAVATTA, 2007). Buscou-se mostrar a importância de olhar para as fotografias históricas não apenas como uma ação desintencionada, mas como busca inesgotável de respostas para a realidade do tempo passado.

 

Referências biográficas

Cláudia Sena Lioti é doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Mestre em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar, pela UNESPAR campus de Paranavaí. Graduada em Pedagogia e em Letras – Vernáculas e Clássicas. Especialista em Atendimento Educacional Especializado, Educação Especial; Alfabetização e Letramento e Psicopedagogia Institucional, Hospitalar e clínica.

 

Referências

BENCOSTTA, Marcos Levi A. História da educação, arquitetura e espaço escolar. São Paulo, SP: Cortez. 2005.

BLOCH, Marc. Apologia da história, ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 1993

CIAVATTA, Maria Franco. A Escola do Trabalho. História e imagens. (Tese de Professor Titular - Trabalho e Educação). Niterói: UFF, 1993.

 

GINZBURG, Carlo. Medo, reverência, terror: Quatros ensaios de iconografia política. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 200 p. Tradução de Federico Carotti, Júlio Castañon Guimarães e Joana Angélica d’Avila Melo.


LIOTI, Cláudia S. Educação, cultura e representações sociais nos setenta e um anos do Centro Municipal de Educação Infantil Tio Patinhas em Mandaguari/PR. 170 f. Dissertação (Mestrado em Ensino) Paranavaí. Unespar, 2021.

MONARCHA, Carlos. A Escola Normal da Praça – o lado noturno das luzes. São Paulo: Editora da Moreira, A. Z. Um espaço pioneiro de modernidade educacional (Dissertação de Mestrado em Arquitetura). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. 2005.

 

RABELO, Elson de Assis. Medo, reverência, terror: Quatros ensaios de iconografia política. Varia História. Belo Horizonte, v. 31, no. 55, Jan./ Abr. 2015. 

RAGAZZINI, Dário. “Para quem e o que testemunham as fontes da história da educação?”. In: Educar em revista, nº 18. Curitiba: Editora UFPR, 2001.

TAMANINI, Paulo A. Imagens ressecadas: a representação iconográfica do nordeste nos livros didáticos de história. Pimenta Cultural, 2020.

SANTAELLA, Lucia. Percepção: fenomenologia, ecologia, semiótica. São Paulo: Cengage Learning, 2012. E-book. cap. 3, p. 75-88; 111-146.


5 comentários:

  1. Parabéns Professora Claudia pelo texto e a temática tratada. O presente influencia na análise de fotografias?

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    1. Marisa, boa noite! Respondi abaixo, mas a resposta apareceu como "anônimo", espero que tenha conseguido sanar a sua dúvida. Um abraço.

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  2. Olá, Marisa! Agradeço a sua atenção com o meu trabalho. Todos os contextos interferem na análise de uma fotografia. Nossas concepções também influenciam na forma como observamos uma imagem. Devemos evitar fazer questionamentos ou posicionamentos para questões que ainda não estavam sendo discutidas no momento em que a fotografia foi tirada, mas com certeza, nossas compreensões do tempo presente impactam na forma como observamos uma fotografia. Um abraço e muito sucesso para você.

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