Davison Rocha-Alves

 

ESTUDOS AMAZÔNICOS: HISTÓRIA, MEMÓRIA E POLÍTICA EDUCACIONAL NO ESTADO DO PARÁ

 

A presente comunicação está inserida dentro do campo da história das disciplinas escolares, queremos apresentar a história de uma disciplina regional debatendo a historicidade desta disciplina no Estado do Pará. Nesse momento contou-se a história da disciplina regional Estudos Amazônicos no Estado do Pará por meio de seus materiais didáticos produzidos nos anos 1990, e através da memória de professores de História e de Sociologia que produziram duas coleções didáticas para essa disciplina no final do século XX. Um lugar social e múltiplas Amazônia(s) dentro do espaço escolar ficou evidenciado no campo das ciências humanas.

O objetivo geral é apresentar a História desta disciplina regional por meio da memória construída no Estado do Pará em torno de seus livros didáticos regionais e com entrevistas de professores que participaram da construção desses materiais, onde no período de redemocratização construiu-se uma política educacional que evidenciasse as diversas Amazônias dentro do espaço escolar.

Será apresentado em três momentos, são eles: (1) A política educacional dos anos 1990 no Brasil e a emergência do currículo centrado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e sua relação com os PCN-Temas Transversais Meio Ambiente; (2) A disciplina Estudos Amazônicos no estado do Pará e o papel do Conselho Estadual de Educação (CEE-PA) e da Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC-PA) na urgência em debater a Amazônia neste estado; (3) A experiência educacional da disciplina regional pelas interpretações de historiadores e sociólogos no Pará.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) lançado pelo Ministério de Educação em 20 de dezembro de 1996, através da lei n° 9394, nos evidenciou em seu artigo 26 sobre os currículos “(...) o ensino fundamental e médio deverão ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela” (BRASIL, 1996, p. 8).

1990 foi considerado propício para a montagem do estado neoliberal em que a educação foi vista como espaço a ser controlado pelas políticas internacionais, especificamente através da interferência do Banco Mundial e de suas agências regulamentando as políticas educacionais para a escola pública brasileira. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) voltados nesse contexto para o ensino fundamental I desenvolvem uma política intervencionista por dentro das chamadas agências de financiamento internacional (OLIVEIRA, 2010, p. 2).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) indicam como objetivos centrais do ensino fundamental as seguintes competências: (a) conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como de aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação social, crença, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais; (b) utilizar as diferentes linguagens (verbal, musical, matemática, gráfica e corporal) como meio para produzir, expressar e comunicar ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções  e situações de comunicações (PCN, 1997, p. 7).

Portanto, a disciplina Estudos Amazônicos está inserida dentro da política educacional pensada pelo Estado brasileiro e implementada ao longo dos anos 90 através da LDB e dos PCN’s. Cabe-se ressaltar que os parâmetros nacionais definidos pelo Ministério da Educação (MEC) estavam afinados com a intenção de facilitar o trabalho da instituição, estamos referindo-se à elaboração do chamado Projeto Político Pedagógico (PPP). Eram centradas dentro das seis áreas de conhecimento, a saber: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física.

Os temas transversais dentro da escola básica tiveram seu espaço privilegiado dentro dos chamados PCN Temas Transversais, sendo também vinculadas às seis áreas que são: Ética, Orientação Sexual, Meio Ambiente, Trabalho e Consumo, Saúde e Pluralidade Cultural. Tanto as disciplinas da área de conhecimento e os Temas Transversais estavam ligadas a interdisciplinaridade, sendo uma perspectiva de não compartimentalizar as disciplinas na educação básica, mas de trabalharem de forma conjunta o conhecimento dentro e fora do espaço escolar.

Uma evidência ficava presente dentro da disciplina Estudos Amazônicos. Não se pode falar de Amazônia sem falar de rios, floresta e sujeitos. É uma relação imbricada dentro das perspectivas assumidas por essa disciplina regional, pois, os professores da área de humanidades estavam querendo debater as múltiplas Amazônias dentro do espaço político-administrativo do Estado do Pará, e não somente, os acontecimentos políticos e econômicos que marcam a trajetória humana e a historiografia da região amazônica.

Portanto, evidencia-se um olhar social para debater a disciplina Estudos Amazônicos, pois os estudos temáticos substituíram a perspectiva exclusivamente linear de uma história produzida de contínua e fatual (FENELON, 1993, p. 76). Assim, surgiram diversos temas dentro da disciplina Estudos Amazônicos usando novos sujeitos, novos objetos e novos problemas dentro da realidade amazônica.

Reconhecemos que a disciplina Estudos Amazônicos se tornou uma lugar de fronteira entre diálogos transdisciplinares ocorridos dentro do campo das humanidades (História, Geografia e Ciências Sociais) no final do século XX. Usando as contribuições do campo do Currículo e da Didática estamos articulando as conexões desenvolvidas entre a Teoria da História e a Retórica produzida pelos professores-pesquisadores no Estado do Pará, pois, a pesquisa sobre o ensino de história regional na Amazônia paraense é um lugar de fronteira, de pensamentos e contribuições mediadas a partir das trocas, dos diálogos e dos reconhecimentos das diferenças (MONTEIRO; PENNA, 2011, p. 191) referente aos saberes amazônicos. 

Após abordamos o contexto nacional, vamos evidenciar as perspectivas regionais, especificamente no estado do Pará, quando ao final dos anos 1990, o Conselho Estadual de Educação do Pará (CEE-PA) através da resolução n° 630 de 26 de novembro de 1997 definiu no seu artigo 5 a parte diversificada dentro do currículo estadual (ALVES, 2020, p. 69), posteriormente foi publicada a resolução n° 231 de 5 de maio de 1998 estabelecendo as normas que disciplinam a parte diversificada do Currículo do ensino fundamental dentro do Sistema de Ensino do Estado do Pará, nesse contexto foi normalizado a inclusão da disciplina curricular Estudos Amazônicos, como componente obrigatório na educação básica, a ser ministrada pelos professores portadores de diploma de licenciatura em História, licenciatura em Geografia e de Licenciatura em Ciências Sociais (ALVES, 2020, p. 69).

Portanto, no mesmo momento em que o Ministério da Educação (MEC) está elaborando a LDB/96 e os PCN’s foi articulado  uma disciplina regional que dialogue com as duas perspectivas curriculares pensadas pelos documentos oficiais implementados pelo MEC. A relação estabelecida entre a disciplina regional Estudos Amazônicos, a LDB/96 e PCN’s não podem ser perdidas de vistas. Por exemplo, a questão cultural e ambiental presentes nos diversos documentos legais são centrais para pensar a sociedade amazônica que se formou após os anos 60 do século XX.  

A professora e socióloga da Universidade Federal do Pará Violeta Loureiro era diretora de ensino da Secretaria Estadual de Educação do Pará (SEDUC-PA), encaminhou para todos os estabelecimentos de ensino do Estado do Pará no ano de 1999 um documento denominado Matrizes Curriculares para o Ensino Fundamental e Médio, no referido ofício curricular houve a inclusão da disciplina Estudos Amazônicos em substituição aos Estudos Paraenses com duas aulas semanais na 5ª e 6ª séries e três aulas semanais na 7ª e 8ª séries (ALVES, 2020, p. 70).

O documento da SEDUC evidenciava a seguinte justificativa para a inclusão da discussão estudos regionais no currículo da educação básica, “pela imperiosa necessidade de a escola contribuir com a formação de uma consciência dos cidadãos sobre a Amazônia como uma questão nacional e ser a Amazônia o maior e mais rico sistema natural do planeta terra” (PARÁ, 1999, p. 5).

Portanto, durante os anos 1990 os caminhos percorridos pelo ensino de história da Amazônia construíram um currículo para ser ensinado no espaço escolar, os professores das humanidades estavam reivindicando o lugar da Amazônia dentro do currículo, para isso, faziam críticas a disciplina Estudos Paraenses que evidenciava uma narrativa histórica pautada dentro dos eventos políticos e administrativos do estado do Pará, e invisibiliza as diversas Amazônias dentro do espaço escolar.

Os professores amazônidas queriam debater as recentes transformações pelo qual passou a região amazônica, as interferências na floresta e nos diversos sujeitos que vivem no campo e na cidade dentro desta região político-administrativa, tornou-se o centro do debate escolar. Nesse sentido, centrou-se então em uma história política de currículos normativos como concebida pelo historiador Ivor Goodson (2001, p. 55) e visava entender o lugar político da história da Amazônia a ser introduzida durante os anos 1990 nas escolas paraenses.

Houve um espaço de tensão entre os diversos campos de saberes nos anos 1990 dentro do estado Pará, para que o debate sobre a história regional se estabelecesse dentro do currículo da educação básica. A questão que incomodava os professores das humanidades era a seguinte: o debate regional era limitado a somente ver a Amazônia como região geoeconômica dentro da disciplina de Geografia, ou se expressava dentro do livro didático de História ao ver a importância da Amazônia no cenário nacional somente quando se debatia o movimento da Cabanagem (1835-1840) ou o período da borracha (1870-1912). Precisava-se alargar os horizontes de perspectivas sobre o regional. O recado estava dado! A história da Amazônia não era somente no período de 1835 a 1912. Não somente esse recorte! Existe uma historicidade que precisava ser contada, e caberia à SEDUC juntamente com o CEE-PA assumir o papel de colocar as múltiplas Amazônias em evidência.

Os professores de História que trabalham na Secretaria Estadual de Educação do Estado do Pará assumem o papel de professores-pesquisadores ao produzirem um livro para contar a História do Pará de forma didática, pois, a disciplina Estudos Paraenses não abrangia a região Amazônica e os processos sociais ocorridos no interior dela. Fazia-se a necessidade de debater os problemas amazônicos dentro e fora do espaço escolar. Houve uma modificação no currículo acadêmico do curso de História da Universidade Federal do Pará (UFPA). em 1992, com a introdução de 3 novas disciplinas como História da Amazônia I, História da Amazônia II e História da Amazônia III para colocar a região no centro do debate dentro do tripé ensino, pesquisa e extensão. 

A narrativa sobre a região amazônica põe em evidência novos sujeitos dentro da prática pedagógica regional, conforme apresenta a coletânea do Mestrado Profissional em Ensino de História do Amapá (ProfHistória), demonstrando a multiplicidade de sujeitos e identidades culturais presentes no interior do espaço escolar. Assim, durante a apresentação os autores do livro evidenciam que “a escola põe em diálogo saberes diversos, muitos dos quais são oriundos do mundo da vida de estudantes com diferentes redes de contato e percursos formativos” (NASCIMENTO, 2020, p. 9)  

Por outro lado, nossa pesquisa não ficou somente nas negociações desenvolvidas pelos professores das humanidades para construir a identidade regional da disciplina Estudos Amazônicos, como foi mencionado acima, foi sendo construído um movimento regionalista no Estado do Pará para fazer a defesa do regional dentro do espaço escolar.

Cabe-se destacar que o movimento regionalista de professores das humanidades no Pará construíram dois materiais didáticos, a saber: (a) os professores de História pensaram em dois volumes a História do Pará (Contando a História do Pará: das primeiras populações à Cabanagem [volume 1]; Contando a História do Pará: do período da borracha aos dias atuais [volume 2]), sobre a coordenação do pesquisador francês Gerard Prost; (b) a socióloga Violeta Loureiro escreveu sua narrativa didática por outra ótica também publicada em dois volumes (Amazônia: temas fundamentais sobre o meio ambiente [volume 1]; História da Amazônia: do período da borracha aos dias atuais [volume 2]) 

Nesse aspecto realçado acima percebemos que a literatura didática regional apresenta duas perspectivas interpretativas para a disciplina Estudos Amazônicos, são elas: a relação passado-presente pela ótica dos professores de História e a urgência do presente pela ótica dos professores de Sociologia. Usando referenciais teórico-metodológicos os professores de História e de Sociologia debatem os saberes necessários para debater dentro da disciplina regional Estudos Amazônicos.

As narrativas em torno do que ensinar sobre a Amazônia no estado do Pará possuem abordagens diversas, ao analisar as obras didáticas percebemos que a formação do professor que ministra esta disciplina na rede estadual, apresenta algumas questões que são por ele relacionadas como: aspectos, históricos, políticos, econômicos, ambientais e geográficos. Esta multiplicidade de narrativas sobre a Amazônia deve-se a formação heterogênea de professores e o que eles liam sobre o Estado do Pará, sobre a região amazônica e suas diversas identificações (Amazônia Legal, região geoeconômica e suas diversas Amazônias, Região Norte), muito pautada por uma narrativa memorialística e de exaltação por outro lado, por não serem historiadores e terem uma formação em Sociologia ou Geografia, estes autores de livros didáticos regionais lançam mão de uma narrativa cronológica e adotam algumas questões recentes para referenciar seus estudos sobre a região amazônica.

Os professores/autores que escrevem as narrativas didáticas do Estado do Pará, apresentam uma nova perspectiva de história regional possível de ser ensinada, assim percebemos que eles constroem a partir de suas evidências um lugar de memória a ser sedimentado na escrita regional, fazendo emergir nesta narrativa escolar a presença do ser amazônida, deixando explícito em sua narrativa as relações sociais dos sujeitos que fazem parte da história recente, como o posseiro, o grileiro, o quilombola, o ribeirinho, o caboclo e o indígena, portanto, trazendo à tona aspectos e fatos que nos permitem compreender a história recente da região amazônica no espaço escolar.

As propostas curriculares apresentadas pelo Ministério da Educação durante os anos 1990 dialogam com a elaboração de uma disciplina regional no Pará, haja vista, que diante das recentes transformações pelo qual passou a região amazônica, não era interessante continuar reproduzindo no espaço escolar uma narrativa que versasse somente sobre a História do Pará, mas que a História do Pará fosse incluída dentro de um disciplina de amplitude regional, ele ficou conhecida como “Estudos Amazônicos”.

Por isso, fica evidenciado no período compreendido entre 1997 e 2000 a tentativa de implementar uma disciplina regional dentro do estado do Pará, pois, a carência de discussões regionalizadas no espaço de sala de aula provocou um debate entre os professores da área das humanidades a pensar as diversas Amazônias neste espaço social, cultural e administrativo brasileiro.

Nesse sentido, cabe-se ressaltar que a disciplina Estudos Amazônicos possui muitas facetas no Estado do Pará, pois, ela é considerada uma disciplina interdisciplinar, tendo diversos olhares dentro das ciências Humanas. O olhar dos professores de História para a disciplina regional é a relação passado-presente mediada pelo usos de diversas fontes históricas, sendo restrita a contar a História do Pará. A novidade da proposta didática está na metodologia de fontes históricas dentro da história regional. No entanto, a perspectiva narrativa evidenciada pela Sociologia evidencia a urgência do presente, pois, o meio ambiente e as relações sociais destacados no interior do espaço amazônicos desde o período da borracha até os recentes conflitos agrários na Amazônia são destacado dentro deste olhar sociológico para  disciplina Estudos Amazônicos.

Por fim, cabe-se ressaltar que foi construído uma política educacional no Estado do Pará que valorizasse a Amazônia e seus processos sociais dentro do espaço escolar, o que ocorreu por meio da produção de materiais didática regionais e da invenção de uma disciplina regional conhecida como Estudos Amazônicos. Percebemos ainda em 2022 a importância desse debate, pois, os diversos ataques a floresta amazônica, os povos indígenas, as comunidades quilombolas, os povos tradicionais, os defensores da vida e das diversas Amazônias torna-se urgente debater e repensar o ensino de história da Amazônia na sala de aula e fora de também.  

 

Referências biográficas

Professor. Dr. Davison Hugo Rocha Alves, doutor em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará da Faculdade de Ciências da Educação (Unifesspa-Faced).

 

Referências bibliográficas

ALVES, Davison. A disciplina Estudos Amazônicos e seus livros didáticos (1990-2000). Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2020.

BRASIL. Lei n° 9394 Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Editora do Brasil, 1996.

FENELON, Déa. Cultura e História Social: historiografia e pesquisa. Projeto História, São Paulo, volume 10, dezembro, 1993.

GOODSON, Ivor. Currículo: teoria e história. São Paulo: Vozes, 2001.

LOUREIRO, Violeta. Amazônia: História e análise de problemas (do período da borracha aos dias atuais). Belém: Distrobel, 2000.

LOUREIRO Violeta. Amazônia: meio ambiente. Belém: Distrobel, 2000.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.

MONTEIRO, Anna Maria; PENNA, Fernando. Ensino de História: saberes em um lugar de fronteira. Educação & Realidade, Porto Alegre, vol. 36, n. 1, p. 191-211, jan./abr. 2011.

NASCIMENTO, Ângela. Vivendo na beira: teoria e prática pedagógica no ensino de história do Amapá. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.

OLIVEIRA, Ana Fernanda. Os parâmetros curriculares nacionais brasileiros no contexto das políticas educacionais neoliberais dos anos 1990. VI Jornadas de Sociología de la UNLP. Universidad Nacional de La Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación. Departamento de Sociología, La Plata, 2010.

PARÁ. Ofício circular n° 018/98-DEN, Belém, 10 de dezembro de 1998.

PROST, Gerard. História do Pará: das primeiras populações a Cabanagem. Belém, 1998.

PROST, Gerard. História do Pará: do período da borracha aos dias atuais. Belém, 1998.


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